A DIFICULDADE DA GERAÇÃO X EM EDUCAR SEUS FILHOS

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A dificuldade da geração X em educar seus filhos


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Por Anjali Enjeti

Você se lembra de quando éramos crianças, certo?
Usávamos nossas chaves de casa penduradas no pescoço, como se fossem coleiras. Voltávamos da escola sozinhos, a pé, e entrávamos em casa sozinhos, antes de nossos pais chegarem do trabalho. Atravessávamos cruzamentos movimentados no horário do rush para comprar cigarros de chiclete com o troco das latas de refrigerante vazias.
Nossos playgrounds eram construções, montes de terra, riachinhos cheios de cobras e tartarugas que colecionávamos para ser nossos bichos de estimação. Subíamos em árvores, sujávamos nossas roupas de lama, escalávamos as cercas que separavam os quintais dos nossos vizinhos. Passávamos o verão descalços; as solas dos nossos pés viviam pretas como carvão, e a sujeira se acumulava debaixo das unhas dos nossos pés. Skates, patins e bicicletas definiam o limite de até onde podíamos andar -nossos pais, que faziam parte da geração do "baby boom", achariam ridículo se pedíssemos uma carona para chegar a algum lugar. Eles estavam ocupados demais lendo o jornal, assistindo à novela ou tomando uma cerveja com os vizinhos, sentados nos degraus de entrada da casa.
Eles nos mandavam voltar para casa ao escurecer, e nem um segundo antes.
Demoramos para ter nossos próprios filhos. Provavelmente demoramos demais. Agora estamos na casa dos 40 anos e vivemos irritados por não dormir o suficiente. Trocamos as fraldas biodegradáveis e livres de cloro de nossos filhos enquanto vemos Dora, a Exploradora, se metamorfosear em uma adolescente cheia de hormônios diante de nossos olhos. Dizemos a quem quiser ouvir que não lamentamos ter esperado tanto porque "precisávamos nos firmar profissionalmente antes" e "queríamos poupar o suficiente", apesar de sabermos muito bem que não temos carreiras profissionais viáveis e estamos longe de possuir economias que valham alguma coisa.
Levamos nossos filhos de carro para aulas de xadrez, robótica, balé, violoncelo ou natação, treinos de beisebol e festinhas de aniversário. Nossos filhos comandam nossas vidas, como se fossem diretores de circo alucinados, mas nós insistimos em dizer que essas atividades os enriquecem cultural, social e intelectualmente, fortalecendo sua competividade e criatividade.
Eles raramente estão fora do alcance de nossa visão. Eles são nossas extensões, botões pendurados de nossos galhos; o caráter, qualidade e durabilidade das flores que brotarão dependem inteiramente dos cuidados atenciosos, comedidos e intencionais que nós lhes proporcionamos. Quando são bebês, nós os carregamos amarrados ao nosso corpo ou nas nossas costas; um pouco maiores, os colocamos em carrinhos de bebês; quando estão na pré-escola, os mantemos presos a nós por arreios, e quando viram teens, usamos GPS e aplicativos para monitorar por onde andam. Eles vêm dormir em nossa cama até os 10 anos de idade.
Nós mesmos começamos a fazer bicos como babysitter aos 9 anos de idade, e nossa única responsabilidade era garantir que os bebês de quem cuidávamos continuassem vivos. Mas para cuidar de nossos filhos contratamos jovens com formação universitária, que tenham feito curso de ressuscitação cardiopulmonar, que tenham referências comprovadas e curtam o Pinterest, e eles não se limitam a ser os babysitters de nossos filhos: constroem origamis complicados para eles, encenam Shakespeare e dão aulas de filosofia e mandarim aos nossos rebentos.
Quando éramos os últimos escolhidos para o time de queimada, não podíamos chorar. Nos mandavam ser durões e não ser bebês. Mimos e consolos? Não existiam.
Prêmios eram dados à única criança das 256 que de fato vencia a corrida, para aquela que tirava a nota mais alta de todas no exame ou que tivesse vendido o maior número de cookies das Escoteiras em todo o Estado. Todos os outros perdíamos. Éramos perdedores. E isso não nos abalava.
Medalhas, troféus, fitas e certificados dourados em homenagem ao "melhor reserva" ou "criador do melhor lanche" cobrem as paredes dos quartos de nossos filhos, enchendo-os de louvores pelo simples fato de terem feito um esforço ou comparecido a uma aula ou evento.
Nossas refeições saíam de latas, caixas e freezers. Devorávamos macarrão enlatado, pizzas de pão francês e comida pronta enquanto a família assistia ao jornal da noite num televisor que só tinha quatro canais que funcionavam - três quando estava chovendo. Ingeríamos cada colorante, aditivo e conservante alimentar imaginável, e nossa dose diária de Vitamina C vinha de copos de Ki-Suco ou Tang.
Não ousávamos dizer aos nossos pais que não gostávamos da comida, que não estávamos com fome ou não estávamos com vontade de comer aquilo. Tínhamos que limpar o prato, acabar com cada migalha, sob pena de ouvir um sermão sobre as criancinhas que morriam de fome nos países do Terceiro Mundo. O que deixássemos sem comer no jantar ficaria para o café da manhã do dia seguinte, mesmo tendo ficado gelado e borrachoso.
Como pais, entretanto, passamos horas na cozinha para aperfeiçoar as refeições de nossos filhos, sem glúten, feitas de ingredientes orgânicos, locais e artesanais, produzidos à mão, sem hormônios, de origem ética. E, desde que nossos filhos degustem tudo - mesmo que isso signifique apenas passar a ponta da língua na comida -, eles têm o direito de jogar o resto na lata de lixo que vai virar composto.
Quando éramos crianças, ajudávamos no serviço de casa. Lavávamos o chão, dobrávamos as roupas lavadas, políamos objetos de prata, lavávamos a privada, passávamos as cortinas a ferro e lavávamos o carro. Fazíamos essas tarefas porque nossos pais nos mandavam, porque nossos pais tinham autoridade, porque eram ditadores de quem tínhamos tanto medo quanto tínhamos de Gorbachev, Fidel Castro ou ogivas nucleares. Não havia "gráficos de tarefas" enfeitados com adesivos de sorriso ou cheios de glitter, e quase nunca éramos pagos para fazer as tarefas. Para ganhar algum dinheirinho, entregávamos jornais, cortávamos a grama, trabalhávamos na quitanda ensacando as compras, atendíamos telefones e servíamos as mesas em restaurantes.
Já os nossos filhos ganham mesada pelo simples fato de existirem. Eles são "ocupados" demais para fazer trabalhos de verdade. Eles têm uma gama incrível de "opções". A infância deles parece o bufê de uma boa churrascaria. Eles podem até escolher como preferem ser disciplinados - ficar de castigo, ficar sem Internet... enfim, o que importa? A verdade é que eles não sabem o significado da palavra "não".
Nós tínhamos que aprender a letra cursiva. É verdade!! Tínhamos aula de caligrafia. Diagramávamos as orações. Quando a classe inteira era reprovada numa prova, era reprovada e pronto. Na maior parte do tempo nossos pais mantinham distância da escola, confiavam em nossos professores e deixavam nosso ensino por conta deles.
Nenhum de nós era talentoso.
Todos nossos filhos são talentosos.
Daqui a alguns anos, quando nossos filhos forem mais velhos, eles vão reclamar porque nós lhes demos amor e colinho demais, não os ensinamos a ganhar a vida, não os ensinamos a economizar. Vão dizer que deveríamos tê-los deixado errar um pouco mais, passar vergonha mais vezes. Dirão que eles deviam ter tido mais regras, mais independência e menos amizade, menos tempo diante de telinhas diversas, menos estrutura, menos links paranoicos com a internet.
Vamos acabar entendendo que nossos filhos provavelmente são tão problemáticos quanto nós fomos - que, apesar dos livros sobre maternagem, apesar dos grupos no Facebook, das hashtags no Twitter, dos murais no Pinterest nos enchendo de tanto discurso e tanto sentimento de culpa infinito que nossos instintos e sensibilidades desapareceram - apesar de tudo isso, o ato singular de educar um filho não mudou tanto assim ao longo dos anos. Ainda é difícil pra caramba. E, como as gerações de pais que nos antecederam, vamos improvisando e vamos aprendendo à medida que vivemos.
Com Ki-Suco e tudo.

Fonte:http://www.brasilpost.com.br/the-mid/

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